quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA



Tenho um livro sobre águas e meninos.
 Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. 
A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
 A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água 
O mesmo que criar peixes no bolso. 
 O menino era ligado em despropósitos. 
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos. 
 A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
 Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
 Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.
 No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.
 O menino aprendeu a usar as palavras. 
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. 
E começou a fazer peraltagens.
 Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase.
 Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
 O menino fazia prodígios. 
Até fez uma pedra dar flor! 
 A mãe reparava o menino com ternura.
 A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta.
 Você vai carregar água na peneira a vida toda. 
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos 

 – Manoel de Barros –

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